A primeira morte de que me lembro foi a da minha avó paterna. Também foi a primeira vez que vi meu pai chorar. Foi tão impactante, ver meu pai chorar, que perdi um pé dos meus sapatos, no enterro. E não esqueço. Eu tinha 6 anos.
Depois morreu um amigo do papai, tio da minha primeira melhor amiga de infância.
Estudávamos no Cardoso, hoje Cardosinho. Lembro que fomos no fundo da Misericórdia, onde ficavam os mortos. Também lembro que levamos um pito do tipo: – O que vocês duas estão fazendo aqui?
A atração da morte.
O João Passos, “Líder Autêntico”, morreu no meu primeiro dia de aula, ou no segundo, no Ginásio do La Salle.
Não tivemos aula, fiquei frustada. Fomos ao velório, que foi na casa da família, na rua Cesário Alvim.
Lembro claramente da mudança das placas para o nome dele. E nunca soube, até a amadurescência, quem teria sido o que foi substituído na placa.
Ainda no Ginásio aconteceu a morte do Arcebispo anterior. Amanheceu tempestade, todos os sinos de todas as igrejas da cidade tocavam sem parar. Era menina mas me sentia uma moça, já namorava “sério”, mas senti muuuuiiiitoooo medo. Também não tivemos aula. Feriado municipal, de novo.
Nessa época, tão hilário e tão mórbido, tinha umas amigas que frequentavam o velório da Catedral, choravam e consolavam a família, numa wibe bem estranha. Descobri o significado da palavra “carpideira”.
Nesse meio tempo, entre minha primeira e a segunda década de vida, perdi os bisavós maternos e alguns tios avós do avô materno.
Já era previsto. A morte estava relacionada a velhice. Eu os via como muuuuiiiitoooo velhos. Eu nem tinha vinte anos e ainda me achava eternamente jovem.
Mais tarde os irmãos e irmãs da minha avó materna foram morrendo numa sequência triste.
Meu pai dizia que o problema começava quando começavam a morrer os amigos. Isso eu ouvi lá na morte daquele tio da minha amiga.
Tive uma turma da rua, claro. As bicicletas top eram as Berlinetas. Turminha das ruas do derredor. Encontros no findi tarde. Todos tinham hora pra entrar em casa. Sempre sentados na calçada, com as bikes, embaixo do poste. E tinha o líder que, de repente, não apareceu. Nem hoje, nem amanhã… cadê? Nem o irmão mais novo, a casa de esquina fechada… cadê? Até meu pai contar que ele tinha ficado doente, doença do sangue, e morreu.
Como assim, morreu? E nós? Os amigos da turma?
Fiquei muito brava, lembro bem, por não termos sido avisados, não visitamos, não velamos, não enterramos.
Depois, e na mesma época, eu estava nos Jogos Regionais, epidemia de meningite. A primeira. Vacinação geral.
E a irmã de um amigo do meu irmão morreu. O pai deles também era dentista, como o meu. Também moravam na Vila Nicota, como nós. O amigo do meu irmão tornou-se médico. De crianças.
E assim a morte veio perturbar minha formação religiosa. Qual o sentido de não pecar se todos morreremos e… existe mesmo céu e inferno?
Perdi um amigo que morreu por não ter atropelado um cachorro.
Perdi uma amiga que morreu por desviar de motoqueiros.
Pessoas lindas, boas, gargalhantes e inesquecíveis.
Um amigo meu que morreu me deu uma muda. Um amigo meu que morreu hoje é uma amoreira.
Perdi tias e tios. Perdi o avô paterno. E fui vendo a morte se entranhar na minha vida. Perder membros da família me fez dar mais valor a estar junto.
Comecei a entender que a morte pode chegar a qualquer momento. E, muitas e muitas vezes, são as pessoas que adiantam a chegada.
Perdi um amigo mentor que se entregou.
Perdi uma amiga mentora que não acordou.
Perdi um amigo que tentou chegar ao HC e lutou, lutou, mas não venceu.
Esse trio era iluminado.
Também vi vários cachorros virarem estrelas no céu dos cachorros.
Assim, com essa frase, fui consolada pela minha neta.
Vi pais e mães de amigos irem pro outro plano. Vi meus amigos terem reações diversas.
E fui conhecendo as várias formas de lidar com a dor.
Meu pai morreu.
E, sobre isso, tenho muitas reflexões. Até hoje.
Sem contar a falta que ele me faz e a vontade que tenho de falar com ele. Pessoalmente.
E hoje é o dia escolhido para homenagear os mortos.
Atualmente acredito na lei da ação e reação.
Os passos que dou são os que me levam a um caminho ou outro.
A escolha é pessoal. Não cabe lamentação.
Então, já que hoje o outro plano está em festa, vou encontrar amigos e comemorar a vida.
Valeu, queridos leitores.
Até a próxima, sempre com muita alegria e gratidão.