Para além de obras literárias ou cinematográficas de ficção, nas quais são recorrentes os cenários distópicos em que a tecnologia leva à substituição, ou pior, ao domínio da humanidade pelas máquinas, a chamada Inteligência Artificial é cada vez mais presente em nosso dia a dia, especialmente na forma de ferramentas para a execução de tarefas complexas de modo autônomo.

A Inteligência Artificial está no cerne da chamada Quarta Revolução Industrial, termo que abarca a ascensão de novas tecnologias para automação e troca de dados, voltados para a melhoria da eficiência e produtividade dos processos. Exemplos de seu uso estão por toda a parte, desde os aplicativos nos telefones celulares até as funções disponibilizadas nos comandos dos automóveis.

Na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade Estadual Paulista (FMVZ-Unesp), campus de Botucatu, pesquisas buscam utilizar a Inteligência Artificial como uma ferramenta para auxiliar a avaliação da dor e a consequente administração da analgesia adequada para os animais.

A avaliação de dor em animais, hoje em dia, é feita majoritariamente a partir da análise de suas exibições comportamentais. Para tanto, os especialistas utilizam as chamadas escalas de dor, construídas a partir da observação e do registro sistemático de certos comportamentos, tais como perda ou dificuldade de locomoção, apatia, mudanças de postura, perda de apetite e de interação com outros animais. O conjunto de comportamentos pode variar de acordo com o indivíduo, a espécie e o tipo de ferimento, enfermidade ou intervenção cirúrgica causadora da dor.

Pedro Trindade
Pós-doutorando da FMVZ-Unesp, Pedro Henrique Esteves Trindade, é o responsável pela pesquisa
(Foto: divulgação)

Além de identificar a dor, as escalas buscam ainda ajudar o observador a quantificar a experiência dolorosa para que se possa providenciar o tratamento mais adequado para aliviar o sofrimento do animal. “Os animais comunicam a dor de um modo não verbal, o que dificulta uma avaliação precisa. Precisamos encontrar pistas que vão nos dizer que aquele estado em que o animal se encontra é desagradável para ele. Isso pode ser feito para dor, fome, estresse, desconforto térmico ou medo”, explica o pós-doutorando da FMVZ-Unesp, Pedro Henrique Esteves Trindade. “Da mesma forma, para se avaliar a analgesia produzida por um fármaco, é necessário ter uma medida para avaliar a dor. O animal não vai responder a perguntas, mas vai apresentar sinais que nos indicam como ele se sente”.

Com seu uso relativamente recente na Medicina Veterinária, a Inteligência Artificial pode auxiliar a otimizar a utilização das escalas de dor. São nesse sentido, os estudos realizados por Pedro Trindade, sob supervisão do professor Stelio Pacca Loureiro Luna, como parte de um projeto temático desenvolvido com apoio da Fapesp.

Tais pesquisas têm o objetivo de desenvolver e aprimorar a eficiência de algoritmos, de um modo que um médico-veterinário, um criador ou um pesquisador, insira as informações sobre o comportamento de um determinado animal num aplicativo e tenha uma resposta sobre a ocorrência e intensidade da dor que ele pode estar sentindo.

Comportamento

Segundo Pedro Trindade, é possível dividir o comportamento animal em dois grandes grupos. O primeiro grupo abarca os chamados comportamentos de manutenção, ou seja, aqueles rotineiros da vida do animal, como se alimentar, caminhar e interagir com outros indivíduos. Na presença do fenômeno doloroso há a alteração desses comportamentos e surge o outro grande grupo, caracterizado pelos comportamentos específicos de dor ou desconforto. “Ovinos, bovinos, suínos e outros animais arqueiam suas costas quando sentem dor, por exemplo. O animal também pode dar mais atenção a uma região dolorosa ou inflamada, lambendo ou voltando seu olhar para aquela região. É essa gama de comportamentos que vêm sendo interpretados ao longo dos anos, com auxílio das escalas, em várias espécies, para a avaliação da dor”.

No entanto, a eficiência das escalas pode variar de acordo com as espécies, pois existem fatores que podem confundir a avaliação. “Cavalos, bovinos e ovelhas, por exemplo, se deitam quando estão sentindo dor. Porém, o comportamento de deitar é absolutamente normal entre os animais. Outro exemplo é um cavalo com narinas dilatas. Pode ser um indicativo de dor, mas também de estresse térmico ou hiperventilação após ter feito algum tipo de exercício. Portanto, tais comportamentos não são patognomônicos, ou seja, não são características específicas de alguma doença. Um sinal patognomônico é um sinal particular que significa que uma doença específica está inequivocamente presente”.

O caminho para fazer essa distinção e diminuir a taxa de erros nas análises dos comportamentos é realizar uma classificação mais detalhada e precisa dos sinais apresentados pelos animais a, a partir delas, fazer ponderações estatísticas. “Ponderar é atribuir pesos diferentes para coisas que têm importâncias diferentes, na análise do comportamento de cada espécie. Mas isso já torna necessária a adoção de uma equação probabilística, o que torna a avaliação mais complicada e pode haver a necessidade de uma estrutura computacional para ajudar”.

Pedro ilustra a situação com um exemplo corriqueiro: uma vaca parindo. Embora seja algo absolutamente natural numa fazenda de criação, o parto pode ser dificultado por alguma complicação, resultando num cenário comum de dor. Mas como fazer para avaliar essa dor? “Não dá para fazer uma equação probabilística grande e demorada numa prancheta no campo”, responde o pesquisador. “Nossa ideia é trabalhar com os comportamentos animais descritos nas escalas e realizar uma ponderação estatística atribuindo peso a eles. Esse é um primeiro passo. Saber o que é mais importante, o que é menos importante para cada espécie em cada situação. Feito isso, será possível montar uma equação probabilística”.

Para saber mais detalhes sobre a pesquisa, acesse o site da FMVZ-Unesp, clique aqui.


Fonte: FMVZ-Unesp, adaptado pela equipe Cães&Gatos VET FOOD.