Botucatu perdeu ontem, 6, o seu último herói de guerra: aos 98 anos de idade, faleceu em Campo Grande (MS), o botucatuense Antônio Ferminiano, ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que era oficial reformado do Corpo de Bombeiros de São Paulo. O motivo do óbito foi uma pneumonia.
Fermiano, um dos heróis da FEB, feriu-se durante a conquista de Montese, a mais sangrenta batalha da qual participaram as tropas brasileiras na Itália, durante a 2a Guerra Mundial.Retornou ao Brasil em agosto do mesmo ano e em seguida ingressou na Força Pública e se tornou integrante do Corpo de Bombeiros.
HEROISMO
Sétimo dos onze filhos do casal Cristina e Laudelino Fermiano, Antonio, neto de escravos, nasceu em Botucatu no dia 26 de outubro de 1922. Começou a trabalhar na lavoura, com 9 anos, na Fazenda Experimental Edegardia, cuja área hoje pertence ao campus da Unesp. Também trabalhou como candeeiro de boi, na plantação de café e na atividade de lenheiro.
Fermiano optou pela carreira militar em 1943, tendo ingressado no 18º Batalhão de Caçadores, em Campo Grande, quando foi convocado para a FEB.
Partiu de navio para a Itália como “pracinha” (termo carinhoso pelo qual os brasileiros chamavam os soldados da FEB) em 23 de novembro de 1944 e chegou a Nápoles, quinze dias depois. Os brasileiros estavam subordinados ao V Exército dos Estados Unidos da América, recebendo treinamento, fardamento, doutrina e armamento norte-americano.
Formalmente, em março de 1945 o soldado Antônio Fermiano foi designado para o 1º RI- Regimento de Infantaria, tomando o número de identidade provisório 5981.
Em abril do mesmo ano o soldado botucatuense mereceu elogio em seus assentamentos do 1º RI, pelo seu desempenho operacional em combate. Em Montese, na “Ofensiva da Primavera”, ele foi gravemente ferido na perna por estilhaços de uma granada lançada pela artilharia nazista. Socorrido, Ferminiano permaneceu internado por alguns dias no hospital de campanha, mas se recuperou logo e voltou à ação.
No ataque a Montese o soldado Fermiano foi uma das 430 baixas brasileiras (inclusos, 34 expedicionários mortos). Do lado alemão foram quase 500 baixas e 453 prisioneiros de guerra.
Sua participação foi registrada, através de elogio coletivo, em junho de 1945, em seu assentamento, mandado registrar pelo seu comandante, da 6ª Cia, com os seguintes dizeres:
“Soldado 5891 (Antônio Fermiano), pelas provas de valor militar evidenciadas na frente de Sassomolare, no período de 02 a 27 de abril de 1945. Com seu esforço pessoal, sua dedicação e coragem, ele muito contribuiu para que a 6ª Cia mantivesse a posição do maciço de Sassomolare, realizasse os ataques à Serrasciccia e cota 750, Cá de Bartalino, cota 758 e a exploração do êxito que, 761 e por cima, através terreno minado, finalizou em Cá di Sopra (ponto cotado 622). Exemplar no cumprimento do dever, suportou pesados bombardeios e perseverou na missão recebida.”
No dia 8 de maio de 1945, no chamado “Dia da Vitória”, o soldado Antônio Fermiano estava em Roma com vários companheiros de farda, quando tiveram a oportunidade de conhecer pessoalmente o papa Pio XII, na Cidade do Vaticano, que os abençoou.
BOMBEIRO E LAVRADOR
Na volta ao Brasil, o pracinha botucatuense foi condecorado com as três distinções: Medalha Campanha da FEB, Medalha Sangue do Brasil e Diploma de Ferimento em Ação.
Contudo, dispensado das fileiras do Exército, os problemas logo bateriam à porta do jovem expedicionário. As honrarias recebidas não o ajudaram e, sem apoio, muitos passaram por dificuldades, principalmente, emocionais e financeiras.
O jovem de Botucatu conseguiu emprego de faxineiro, no Fórum João Mendes, no centro de São Paulo. Decidiu então se inscrever como voluntário na Força Pública, atual Polícia Militar. Aprovado, fez curso de instrução militar na Academia do Barro Branco e, em 1947, passou a atuar no Corpo de Bombeiros, servindo nos postos de Jundiaí, Santos, São José dos Campos, Jacareí, Ilha Bela e Taubaté. Em 1954, quando da criação da PM, ele recebeu a graduação de cabo.
Em 1955, casou-se com Leonilda Francisca de Melo, de cuja união vieram os filhos Teresa Cristina, Valdir, Ivani e Vladimir. A família então residia na Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo. Rondas, diligências, socorros e salvamentos faziam parte da rotina do 2º sargento Fermiano, que se aposentou em 1967.
Passou então a se dedicar ao que muito apreciava: trabalhar na lavoura, plantando tomates e entregando-os ao Ceasa, em São Paulo, produtos colhidos de seu sítio em Ibiúna, onde se estabeleceu com a família, na época.
Viúvo em 1979, decidiu se mudar com a família para Aquidauana, no Mato Grosso do Sul.
Lá, em segundas núpcias, casou-se com Fátima Saito Barbosa eteve mais quatro filhos: Ana Maria, Maria Helena, Valdinei e Vera Lúcia.
Em 1981, a família Ferminiano retornou a Botucatu e na terra natal Antonio se manteve na lavoura. Somente aos 96 anos, por limitações físicas, deixou a atividade laborativa.
No ano de 1987 a Prefeitura de Botucatu inaugurou a Praça dos Ex-Combatentes da FEB e Ferminiano participou da solenidade e viu seu nome na placa comemorativa em louvor aos 31 botucatuenses expedicionários.
“Fonte inesgotável de sabedoria e alegria, papai sempre foi o nosso tesouro”, declarou a filha Ivani. Os oito filhos deram ao herói Antônio Ferminiano 8 netos e 3 bisnetos.