O futuro de uma Embraer que esteja a serviço do país e dos brasileiros depende, acima de tudo, de sua reestatização, bem longe das mãos da norte-americana Boeing. Esta é conclusão que pode ser tirada do primeiro dia do Seminário “Qual é o futuro da Embraer”, ocorrido nesta sexta-feira (23), em São José dos Campos.
O evento reuniu grandes especialistas quando se trata do assunto Embraer e setor aeronáutico. O seminário foi organizado pelos três sindicatos que representam os metalúrgicos da Embraer nas plantas de São José dos Campos, Botucatu e Gavião Peixoto.
O primeiro painel do dia abordou “Soberania e a indústria aeronáutica” e foi aberto pelo doutor em Economia Artur Monte Cardoso, autor da tese “Embraer e a questão nacional”. Cardoso define o atual momento como “dramático e urgente”, considerando os planos da Boeing em comprar a Embraer.
“Temos a necessidade de defender a Embraer como soberania nacional. É imensa nossa responsabilidade, não apenas em defender os empregos e as instalações da empresa, mas a Embraer como patrimônio brasileiro”, afirmou.
Privatização destruiu empresa italiana
Um trabalhador da companhia aérea Alitalia levou ao seminário sua contribuição, como testemunha de quem presenciou o processo de destruição da estatal após sua privatização.
O processo de venda da Alitalia aconteceu entre 2008 e 2009. Segundo o trabalhador Daniele Cofani, o que se seguiu foi considerado uma “carnificina social”, com a demissão de 10 mil trabalhadores e redução salarial de 13%, em média.
“A venda e privatização da Alitalia custou aos italianos 7 bilhões de euros e dezenas de milhares de empregos. Agora, nos encontramos sem uma empresa nacional”, relatou Daniele.
De volta para as mãos do povo
Para o jornalista Raimundo Pereira, da Editora Manifesto, a transação comercial entre Embraer e Boeing tem de ser vista com muito cuidado. Ele alerta que ainda não está claro para a população o que realmente está em jogo e como será o processo de venda ou fusão.
O ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos Toninho Ferreira ressaltou o papel do ex-presidente da Embraer Ozires Silva. “Ele foi ministro do Collor, ajudou a destruir a empresa para ser vendida a preço de banana. Hoje, defende a venda para a Boeing”, disse.
É preciso levar o debate para a população
A falta de debate no país sobre a possível venda da Embraer foi duramente criticada pelo vice-presidente do Sindicato, Herbert Claros. Ele citou como exemplo a recusa da Câmara Municipal de São José dos Campos em convocar uma assembleia pública sobre o tema.
Na última terça-feira (20), os vereadores rejeitaram o requerimento apresentado pelo vereador Wagner Balieiro (PT), que pedia a convocação. O pedido foi rejeitado porque os vereadores queriam esperar o “aval” da Embraer, mostrando quem realmente manda nos políticos.
O presidente do Sindicato, Antônio Ferreira de Barros, o Macapá, completou: “ninguém quer falar sobre a Embraer, que é a maior fonte de arrecadação da cidade. Uma empresa dessa importância e ninguém debate. Vamos cobrar a audiência pública. Além da questão do emprego, a Embraer é um projeto da nação”.
Soberania
O mestre em Filosofia Política Gustavo Machado, do Ilaese (Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos), apresentou o estudo “Situação mundial do setor aeronáutico e o papel da Embraer”. Entre outros pontos, mostra o quanto a soberania é valiosa para os Estados Unidos.
Ele citou como exemplo o veto do presidente norte-americano, Donald Trump, à venda da empresa Lattice Semiconductor para a China. O argumento de Trump? “a transação representa um risco à segurança nacional dos Estados Unidos”. Já o governo brasileiro assiste, passivamente, à entrega da Embraer para a Boeing.
“Se perder a Embraer, o Brasil estará fora do mercado aeronáutico por muito tempo. Levam-se décadas para a construção de uma indústria do setor. O que a gente vai perder é a capacidade que poucos países têm. Não tem outra saída que não a reestatização da Embraer, sem indenização”.
O professor Marcos José Barbieri, da Unicamp, foi taxativo: “a Embraer sobreviveu a partir da iniciativa e inovação em apresentar novos projetos de aeronaves. Foi assim com Legacy, KC-390 e E2. Com certeza, a Boeing não irá trazer uma nova aeronave para ser fabricada no Brasil”.
O jornalista Júlio Ottoboni relatou um episódio do período em que era repórter da Gazeta Mercantil, por volta de 2008. “Entrevistei um vice-presidente da Boeing, da área de relações externas, sobre o programa FX-2, da Força Aérea Brasileira. Ele foi claro sobre a inclusão da Boeing no projeto. Depois da entrevista formal, ele disse: “se não incluírem a Boeing neste projeto, nós compraremos a Embraer. Não iremos ficar de fora”.
Depois de um dia inteiro de debates, não restaram dúvidas: “este seminário está sendo de grande importância para avançarmos na luta contra a venda da Embraer e na defesa da soberania do país. Temos de assumir o papel de levar as discussões para além deste seminário e conscientizar os trabalhadores e toda a sociedade sobre a importância de uma grande mobilização em defesa de uma Embraer reestatizada e sob controle dos trabalhadores”, concluiu Herbert Claros.

 

 

(Da assessoria Sindicato Metalúrgicos São José dos Campos)