Foi difícil dormir.
A perturbação das más notícias.
A tristeza pelas pessoas e suas famílias, pelo Brasil.
Seria mais fácil estar vivendo a quarentena num lugar isolado, sem internet e sem noção de nada.
Ao mesmo tempo, não saber, não refletir ou opinar não faz, nunca fez e nem fará parte do meu show.
Acordei ainda escuro.
Pra lá e pra cá, não liguei a tv.
Tomei um bom café da madrugada.
E a sexta-feira amanheceu linda.
As rotinas da manhã são muito gostosas. E tem os passarinhos, o que é sempre bom.
Liguei o rádio.
E dei de cara com o Brasil do desgoverno escancarado. O Brasil onde o eleito afirma que, sim!, a troca de comando da polícia federal foi política.
O medo do resultado das investigações…
Não demora pra ele assumir ser genocida, pra ele admitir sua familícia criminosa, o gabinete do ódio e seus ministros absurdos.
Um analfabeto na educação, um vendido destruindo a natureza, um liberal que tá no paredão, e um gabinete onde planejam um plano pra planejar outro.
O da saúde nem merece descrição.
Hoje foi dia de ir ver a mamãe.
Ajudei numas coisas, fui fazer compras.
Inédito foi ela, que sempre teve restrições a minha opinião sobre o eleito, dizer:
Filha, quando vão parar esse louco?
Pessoas, essa foi uma vitória dela, de reconhecer, finalmente, a real.
Meu coração se aqueceu. Afinal sempre vi minha mãe como uma mulher muito lúcida.
Sérgio Moro comeu do próprio veneno.
Ajudou a prender, ajudou a eleger, jogou fora 22 anos de carreira pública, se exonerou, e a carta branca nunca chegou.
Saiu.
Mas antes jogou muita merda no ventilador. E ela grudou fedendo.
As denúncias são graves, já sabidas mas nunca pronunciadas por um ministro escolhido pelo líder.
Os militares do desgoverno estão pasmos.
O vice está desaparecido da mídia.
Em aquecimento?
Enquanto isso a pandemia faz mais e mais vítimas.
Já são 3.700 mortes que podem ser muitas mais.
E a mãe-da-rua continua.
Só aliados de fé, irmãos, camaradas.
Só não pode fazer mais sucesso que o Messias, claro.
E ele disse que vai contar a “verdade” dos fatos sobre o ministério da justiça no final da tarde.
Panelaços pelo Brasil e aqui em casa também.
Temos governadores e prefeitos que acreditam na OMS.
A contaminação não para de aumentar e o isolamento social de diminuir.
Um país dividido entre a ciência, a falta de estrutura da saúde pública e a egolatria de um grupelho apoiado por um percentual de fantoches.
Em tempo: numa atuação digna de novela das 9, o eleito se superou em hipocrisia e auto-defesa.
Que nojo!
De bom, hoje, a real possibilidade de um processo de impeachment.
Tenho medo de viver uma nova fase de publicar apenas receitas.
Mas o caminho parece sem volta.
Estou triste.
Então vou divulgar boa literatura.
Porque a leitura liberta, sim!
“HÁ CIDADES COR DE PÉROLA ONDE AS MULHERES
Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.
Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.
MuIheres que eu amo com um des-espero fulminante, a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.
Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime – espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.
Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: – E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.”
Herberto Helder (1930-2015), poeta português.
Vai passar.
O vírus eleito e o Covid 19.
Respeite os que estão lá fora por nós.
#fiqueemcasa
Seguimos.