Acordei e meu primeiro pensamento foi pra ela, minha avó Lydia, que hoje completaria 108 anos.
Viveu 90.
Tive o prazer da sua amada companhia até os 42 anos.

Abri a janela e dei de cara com o céu azul do domingo.
Quantas saudades de todos vocês, os daqui e os do outro plano.
Dói o coração.

A Rosa, música que ouvi minha avó assoviar desde sempre.

Tomei café, fiz as rotinas e me preparei.
Fui caminhar.
A melhor decisão.
Arejar o cérebro.
Pensando na vovó e em como escrever sobre ela.
O tempo destemperado.

Eu energizada, emocionada.
Meus avós Lydia e Ruy casaram muito jovens. E lindos.
Tiveram cinco filhos e mamãe é a mais velha.
Eu sou a primeira neta.
Minha primeira lembrança é na casa da rua Cunha Campos. A casa que tinha rampa, laguinho, escadas,  um paraíso pra brincar.
E tinha a Bianca, cachorra piquinês da vovó que vivia mordendo meus pés.
Passei a infância nessa casa e lembro da Vanusa cantando
” quando o carteiro chegou”.
Eu queria receber uma carta e meu pai mandou uma pra mim. Triste é não tê-la.
Também ali conheci Beatles e a Jovem Guarda com tia Teca e suas amigas, as meninas mais lindas de Uberaba, as ” cocadinhas” da coluna Observatório, do Netinho Guaritá.
Retratos e canções, memórias.
Minha avó, e meu avô também, gostavam mesmo é de que sentássemos ao seu lado.
Vovó segurava minha mão e, com a outra mão dava tapinhas carinhosos, “Déinha, Déinha..”, um amor.

Adorava nos contar histórias. Polichinelo, Soldadinho de Chumbo, a Princesa e a ervilha, muitas.
E brincar de Pinhé, de formiguinha…
Sempre foi muito elegante, assim como suas filhas, meu avô fazia questão. Ele próprio um galã.

Vovó gostava de piadas “de salão” e me lembro de algumas. A do cinema e a do convento.

Também gostava de música.
Na velha Uberaba, havia orquestra no cinema, ela me contou.
Devia ser mágico!
E quantos bailes no Jockey Club acompanhando cada filha, ela e vovô, sempre!
Assistia os festivais na tv.

Além de A Rosa, do Pixinguinha, outra música que assoviava era Máscara Negra, do Zé Keti.

https://youtu.be/4p8KwprzfSA

Lia o jornal todos os dias, fazia palavras cruzadas, tricô. Era louca por chocolates, muito cheirosa, dormia até tarde, era linda.

O hábito da leitura herdei dos dois lados da minha família.
E foi no casarão dos bisavós que comecei a ler e escrever.

E também era brava, sim.
Matriarca  Cabeceira.

Adorava flores. Todas as casas em que morou tinham jardins e vasos bem cuidados. As casas aconchegantes que só.

Não cozinhava.
Mas a mesa sempre foi farta e lembro das cozinheiras das casas com carinho e respeito pelas delícias que sempre comi com prazer.
Pão de queijo e broinha de fubá. Ahhhhhh….
Na fazenda, huuuummmm, o pomar, a horta, os doces de tacho e de calda, galinhas e porcos, o mangueiral, os tucanos, as férias com Tieda, tio Ruy, tio Ronan e tia Eva, os cavalos, o Corguinho, e a vovó e vovô felizes com os netos.
Páscoa com esconderijo.
Inesquecível.

Como os natais, tantos e tantos, a ceia e a família reunida .

E o Roberto Carlos, infalível.
E a preferida de todos, Emoções.

As férias, o clube, as compras na rua do Comércio, as costuras com a Ursulina, os passeios na casa dos bisavós Marquez, das tias, a livraria.
No mercado, a banca do Edson, queijo, linguiça, biscoito de polvilho, cocada de fita.
Na tia Aninha, o sorvete melhor do mundo. Meu preferido sempre foi de tamarindo. E tamarinada nunca faltou na casa dos bisavós e da Tiá.
O doce de leite preto, da tia Lourdes.

E o cheiro de Uberaba, da infância e da vida se mistura pra sempre. Uma tattoo olfativa que me faz salivar.
Vó Lydia esteve aqui em Botucatu muitas e muitas vezes.

Na minha infância, ela e vovô vinham de carro e traziam um farnel. Era uma farra.
Além de arroz da fazenda e polvilho pro pão de queijo, eram doces e quitandas, presentes das tias.

Numa das vezes eu quis ir com eles. Era tão pequena, André menininho e Erik um bebê.
Alguns quilômetros depois, dei um escândalo de saudades, chilique mesmo, e me trouxeram de volta.

Esteve no nascimento dos meus filhos, no meu casamento.

Me deu o enxoval inteiro de sua irmã Tiá, que não se casou. E tenho até hoje a máquina de costura que sua mãe, minha bisavó Glorinha, me deu quando nasci.
Teve uma única tataraneta, em vida, Maria Clara, minha neta.
Cinco filhos, treze netos, dezoito bisnetos, duas tataranetas…por enquanto, né primos?

Uma família lindaaaa que tem muito orgulho de sua origem.
Ruy e Lydia, nossos amores.
Vovó sempre me aceitou. Não sem me dar umas duras, claro. Mas acreditava em mim.
Sabia que o meu lado Palmério, que veio dela, ainda ia me trazer até aqui.
Uma vez me disse que eu tinha muito de seu irmão Félix, o que muito me honra.
Mamãe acha que sou “sargenta” como a tia Elisa, outra irmã da vovó.
Enfim, é uma mistura bem louca dessas referências mais a minha “moratice”. E deu no que deu.

Feliz aniversário, vó Lydia do meu coração!
Que vocês todos estejam em festa no outro plano.
Daqui da terra meus olhos se erguem em busca das suas bençãos.
Gratidão e amor eternos.

Escolhi essa versão da música do tio Mário Palmério, irmão da vovó, pra homenagear vocês, minha família, minha raiz e fortaleza.
Vivaaaaassss pros Cabeceiras!

“…Saudade é solidão, melancolia
É nostalgia é recordar viver…”

Resistiremos siiiiiiimmm!

Seguimos.