“…Porque não havia lugar para eles na hospedaria”. (Lc 2,7)

Gesiel Júnior
Jornalista e membro da Academia Botucatuense de Letras

Tocante e autêntico, o episódio que passo a narrar deu-se numa pitoresca cidade do interior paulista em dezembro de 1982. Faltava uma semana para o Natal. Mulher experiente, a professora Miriam dirigia uma pequena companhia teatral. Com a ajuda de seus jovens atores, ela decidira na época convidar adolescentes atendidos numa instituição terapêutica para participar da encenação de Natal. O elenco reuniria moças e rapazes, todos portadores de deficiência mental.
As limitações físicas, contudo, em nada comprometeram o projeto. A encenação seria singela, pois a finalidade do espetáculo era comemorar o nascimento de Jesus em Belém. Espontâneos, os atores aprendizes tomaram parte dos ensaios com animação. Dona Miriam, paciente, dividiu a peça em três atos.
José e Maria, os protagonistas, foram interpretados por dois primos: Ricardo e Camila. Havia ainda outros personagens importantes, como o Anjo Gabriel, os pastores e também aqueles menos importantes, como o dono da hospedaria, papel confiado a Rodrigo, que tinha síndrome de Down, e cuja fala se resumia em dizer ao carpinteiro José apenas uma frase: – Não temos vagas!
Ensaiado durante dias seguidos, tudo estava pronto e o teatro atraiu uma numerosa e alvoroçada platéia que aguardava com ansiedade a apresentação dos amiguinhos. No salão da paróquia foi montado o palco para esse tipo de espetáculo, coisa rara na pacata cidade.
A encenação começou impecável. Primeiro a anunciação do Anjo, o sonho de José e a viagem do casal para Belém. O segundo ato era a cena da hospedaria. Na hora H, porém, o inesperado: Rodrigo comoveu-se com o aflito pedido de São José, esqueceu-se do seu personagem e deu uma resposta diferente do script: – Podem entrar, então, vou arrumar um quarto para vocês…
Aquela peça teatral, é evidente, terminou ali. O que se ouviu e viu em seguida foram só aplausos e lágrimas dos presentes, todos impressionados com a lição surpreendente daquele menino. Afinal, apesar da sua condição de “excepcional”, Rodrigo foi muito mais humano e solidário do que o personagem do evangelho. Ele, sim, comovido, soube aceitar hospedar em seu coração o pobre casal de Nazaré, prestes a dar o maior presente para a humanidade: Jesus, nosso Salvador.
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Conto vencedor do II Concurso Artístico “Histórias de Natal”, organizado pela Universidade Católica de Petrópolis (RJ), em dezembro de 2004. O autor, Gesiel Júnior, 56, pesquisador e cronista, autor de 38 livros, é membro da Academia Botucatuense de Letras