Há quem, na virada do ano, deseje dinheiro. Outros, amor e prosperidade. Para as filhas da primeira idosa transplantada no Hospital das Clínicas (HC) de Botucatu, em 2023, só havia um pedido possível: mais uma chance para a vida da mãe.

A chama de esperança foi acesa nelas quando receberam a notícia de que havia um coração saudável disponível para a mãe, aos 61 anos. A cirurgia do transplante dela, feita em 1º de janeiro, foi concluída – e com sucesso.

Coração viaja 700 km em jato da FAB para primeiro transplante do ano no HC de Botucatu — Foto: HCFMB/Divulgação
Coração viaja 700 km em jato da FAB para primeiro transplante do ano no HC de Botucatu — Foto: HCFMB/Divulgação

O nome da paciente não será divulgado na reportagem, em acordo com a Lei dos Transplantes n; 9.434/97 que prevê que a identidade de doadores e receptores de órgãos é resguardada, conforme estabelece o artigo 52 do Decreto n; 9.195/97. O sigilo tem a finalidade de proteger ambas as partes do ponto de vista ético, jurídico e emocional.

As filhas da paciente, Luciana, de 36 anos, e Rosiana, de 35 anos, contaram que há 10 anos a mãe sofria de uma insuficiência cardíaca grave. Desde 2021, o quadro piorou, o que diminuiu ainda mais as chances de sobrevivência da idosa.

A única opção restante para ela era o transplante. Foram três meses de internação e espera, até que, enfim, as filhas puderam respirar com a notícia de que o novo coração chegava de Goiânia.

“Durante a virada de ano ela pediu de forma convicta um coração novo, e no dia seguinte recebemos a notícia pela equipe, que além de compatível o órgão vinha de um doador muito saudável, foi uma emoção indescritível. O pedido foi realizado, daqui pra frente não é só um ‘coração novo’, é uma nova história de vida, graças ao ato de amor”, relembram.

A operação de busca do coração mobilizou diversos profissionais e contou até com o apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), já que, para que a idosa pudesse receber o transplante, o órgão viajou cerca de 700 quilômetros até o interior de SP.

Coração viaja 700 quilômetros — Foto: Arte/g1
Coração viaja 700 quilômetros — Foto: Arte/g1

Com o coração, agora novo após o transplante, cheio de alegria e emoção, a idosa receptora agradeceu o empenho dos profissionais e, principalmente, os familiares do doador.

“Ter recebido essa doação na virada do ano, é como encerrar um ciclo, fechar um ano super difícil de luta pela vida na certeza que vencemos e ao mesmo tempo renascer cheias de esperança para um ano, que acreditamos, será cheio de bençãos, desde o primeiro dia”, celebram.

Apesar da caminhada ser longa e a recuperação delicada, as filhas garantem que a idosa tem respondido bem após o procedimento.

“Cheia de vida e com vontade de vencer mais uma vez. Minha mãe é uma grande mulher e tem muita fé. Sabemos que isso a manteve inteira esse tempo todo, até o dia em que Deus honrou nossa fé e devolveu não só para nós, mas para todos ao nosso redor a esperança de dias melhores”, relata.

Importância da doação

 Serviço de transplante cardíaco do HC vem ganhando importância desde sua fundação — Foto: Reprodução/TV TEM

O serviço de transplante cardíaco do HC vem ganhando importância desde sua fundação, em 2019, e tem a meta de realizar 24 procedimentos do tipo em 2023. Na mesma semana do procedimento da idosa, foi realizado outro, o que mostra o dinamismo do serviço.

Em 2019, foram sete transplantes realizados no HC de Botucatu, subindo para 14 em 2020 e 18 em 2021. Em 2022, foram 13 cirurgias.

A prioridade é para moradores do Departamento Regional de Saúde (DRS), mas pacientes de outros estados também já foram beneficiados.

Pioneiro no interior paulista, o programa de transplante cardíaco do hospital é considerado o segundo maior centro transplantador do estado, atrás apenas do Instituto do Coração (Incor), na capital.

Não é incomum a utilização de aeronaves da FAB, e até mesmo do helicóptero Águia da Polícia Militar, no transporte de corações e outros órgãos até Botucatu, já que, entre a retirada e o transplante, não podem se passar mais de quatro horas.

A informação é do cardiologista Flávio Brito, que coordena o setor de transplantes do hospital. “Normalmente, as captações acontecem em grandes centros, e nós acompanhamos desde a retirada do órgão, que é transmitida em tempo real”, explica o especialista.

De acordo com ele, toda Unidade de Terapia Intensiva (UTI) conta com uma comissão responsável por avaliar pacientes com morte encefálica, conversar com a família do paciente sobre o aval para doação e informar a Organização de Procura de Órgãos (OPO).

Com base em uma lista de espera para recebimento dos órgãos, é definida a destinação. No caso dos pacientes à espera de um coração, quase sempre são casos de internação. Em Botucatu, costuma haver, aproximadamente, de cinco a 10 pessoas aguardando o transplante cardíaco.

“O paciente em estado de insuficiência cardíaca não tem condições de esperar o órgão fora do hospital. É um quadro muito delicado, que exige muitas vezes o auxílio de máquina e medicação intravenosa”, explica o especialista.

Segundo Flávio, o Brasil hoje faz, em média, 400 transplantes de coração por ano, mas a demanda é de aproximadamente três vezes superior a este número.

“No Brasil, o número de transplantes de coração ainda está aquém da necessidade. O número de pacientes com insuficiência cardíaca é muito grande, seja por infarto, doença de chagas ou questões genéticas do coração”, explica.

É por isso que ampliar a “cesta” de doadores é tão importante, assim como implementar e qualificar as comissões responsáveis pela captação de órgãos.

“Queremos crescer e, para os cinco próximos anos, as expectativas são grandes. Queremos estabelecer aqui um Instituto do Coração. Nossa meta é de mortalidade zero após 30 dias de transplante e que 80% dos pacientes estejam vivos e com qualidade de vida boa depois de um ano”, detalha o cardiologista. Atualmente, diz ele, o índice é próximo da média estadual, de 76%.

Por causa desta alta demanda, Luciana e Rosiana reforçam a importância da doação e detalham que o ato salva vidas, assim como salvou a da mãe.

“Fica nosso apelo, reflita e informe sua família sobre ser um doador. Infelizmente ninguém quer morrer, mas esse é um contrato que assinamos quando nascemos, então se você puder fazer algo depois de ter cumprido sua missão aqui na Terra, que seja salvando muitas outras vidas com a doação de órgãos”, finalizam.

G1