O pesquisador Luan Sitó da Silva vive momentos de tensão e insegurança após o novo bloqueio no orçamento do Ministério da Educação (MEC) ter suspendido os pagamentos das bolsas destinadas à pós-graduação em todo país.

O dinheiro, que deveria ter caído na conta dos mestrandos e doutorandos até o início desta semana, não foi transferido. Mesmo sendo um valor considerado baixo, o estudante, que realiza pesquisa em reprodução animal na Unesp de Botucatu e recebe R$ 2,2 mil na bolsa de doutorado, ressalta que o corte compromete a continuidade do trabalho.

“Sem a bolsa é inviável permanecer na cidade. Mesmo morando em uma república, o custo de sobrevivência é caro, uma vez que a dedicação é exclusiva e não é possível procurar outro vínculo empregatício”, conta.

O doutorando veio do estado do Paraná para realizar a pesquisa acadêmica no centro-oeste paulista, onde mora há 1 ano e 10 meses. Há pelo menos 18 meses recebia o valor da bolsa como única fonte de renda.

“Nós não temos direito a férias, décimo terceiro salário, muito menos plano saúde. As cargas horárias de trabalho podem ser de até mais de 12 horas por dia. O valor é praticamente para sobrevivência”, relata o pesquisador.

Nesta terça-feira (6), a Capes, órgão vinculado ao MEC, afirmou que, após os bloqueios orçamentários na pasta, não terá dinheiro para pagar mais de 200 mil bolsas destinadas a alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Os depósitos deveriam ser feitos até esta quarta-feira (7).

No dia 2 de dezembro, o Ministério da Economia informou ter bloqueado R$ 1,36 bilhão do MEC por meio de um decreto editado em 30 de novembro. O corte foi anunciado horas após o MEC desistir de congelar R$ 366 milhões das contas das universidades e dos institutos federais.

No comunicado dirigido à comunidade acadêmica, alunos e pesquisadores, a Capes informou que o decreto do governo Bolsonaro congelou recursos financeiros impedindo, além do pagamento das bolsas, a manutenção administrativa da entidade.

A coordenação ressaltou ter cobrado a imediata liberação dos recursos “não apenas para assegurar a regularidade do funcionamento institucional da CAPES, mas, principalmente, para conferir tratamento digno à ciência e a seus pesquisadores” (leia abaixo a íntegra da nota).

O decreto do governo federal “zerou” a verba do MEC disponível para gastos considerados “não obrigatórios”, como:

  • Bolsas estudantis;
  • Salários de funcionários terceirizados (como os das equipes de limpeza e segurança);
  • Pagamento de contas de luz e de água.
Sede da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em Brasília — Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Sede da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em Brasília — Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A situação, que afeta mais de 200 mil bolsas destinadas a alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, faz com que pesquisadores, como Luan, pensem em desistir do sonho acadêmico.

“Desde 2013 não há reajuste nas bolsas. Imagine o gasto para sobreviver em 2013 e 2022? São totalmente diferentes. Por isso, todos os dias penso em desistir. Já nos submetemos a muita coisa, e cada vez mais somos desestimulados da pós-graduação. Caso a bolsa não seja restabelecida, infelizmente, terei que parar o doutorado”, afirma.

Sem prazo para o retorno do pagamento, o pesquisador acredita que a medida não apenas desestimula quem já está no campo acadêmico, mas também afeta atração de novos alunos e indicadores que elevem a educação do país.

“Para ser docente universitário de universidades públicas é, praticamente, obrigatório ter o título de doutor. Cortes como este influenciam cada vez no interesse dos alunos para a pós-graduação, diminuindo assim a formação de profissionais capacitados para a docência. É um efeito dominó que impacta toda a educação”, comenta.

Luan Sitó da Silva saiu do Paraná para Botucatu e recebia bolsa Capes há 18 meses — Foto: Instagram/Reprodução

Luan Sitó da Silva saiu do Paraná para Botucatu e recebia bolsa Capes há 18 meses — Foto: Instagram/Reprodução

Leia a íntegra do comunicado da Capes:

“À comunidade acadêmica, aos alunos e aos pesquisadores vinculados à CAPES

A CAPES recentemente sofreu dois contingenciamentos impostos pelo Ministério da Economia, o que a obrigou a tomar imediatamente medidas internas de priorização, adotando como premissa a necessidade urgente de assegurar o pagamento integral de todas as bolsas e auxílios, de modo que nenhuma das consequências dessas restrições viesse a ser suportada pelos alunos e pesquisadores vinculados à Fundação.

Não obstante, mesmo após solucionados os problemas acima, a CAPES foi surpreendida com a edição do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro (Anexo II), impondo idêntica restrição a praticamente todos os Ministérios e entidades federais.

Isso retirou da CAPES a capacidade de desembolso de todo e qualquer valor – ainda que previamente empenhado – o que a impedirá de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas, cujo depósito deveria ocorrer até amanhã, dia 7 de dezembro.

Diante desse cenário, a CAPES cobrou das autoridades competentes a imediata desobstrução dos recursos financeiros essenciais para o desempenho regular de suas funções, sem o que a entidade e seus bolsistas já começam a sofrer severa asfixia.

As providências solicitadas se impõem não apenas para assegurar a regularidade do funcionamento institucional da CAPES, mas, principalmente, para conferir tratamento digno à ciência e a seus pesquisadores.

A CAPES seguirá seus esforços para restabelecer os pagamentos devidos a seus bolsistas tão logo obtenha a supressão dos obstáculos acima referidos.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).”

Fonte: G1