Tenho uma espécie de medo, um receio, uma aflição, de mexer com memórias.
Tá provado, sendo que estou há uns cinco meses enrolando com agendas, recortes e tals.
Mas meu tempo está expirando.

Depois de um gim tônica no Piritas, escutando Fred Mercury por uma hora e meia, lendo Bouvard e Pécuchet, choveu, e choveu de novo.
E quando parou a segunda vez, terminei o drink e voltei pra casa.

E o primeiro item da pilha em cima do armário de portas de vidro era…

O caderno de 1974 a 1980.

O primeiro texto é de agosto de 1974, aliás, o único desse ano.
Eu lia Jorge Amado escondido, coleção da mamãe, enquanto na quarta série do ginásio do La Salle, a professora Isabel Benine nos deu Canaã, do Graça Aranha, pra ler.

Tudo errado na sequência de livros das aulas de literatura, naquela educação da ditadura. Hoje eu sei disso.

Também tinham as fotonovelas e a revista Romance Moderno.
Só má influencia.

O texto “Lembre”, ahhhhhhh, aquela menina Andrea era muito influenciável e dramática.

Não fui pro segundo item da pilha em cima do armário de portas de vidro.
Impactei.

Curiosidade e receio, não sei se vou ler tudo antes de guardar no container de escritos e publicados.
Container que vai morar no maleiro do armário novo e, talvez, nunca mais venha a luz.

Essa música já é do momento seguinte, 1976, já no colegial, o som da casa da Sandra e da Solange, o álbum branco de Dianna and Marvin, quando já não me enquadrava naqueles estranhamentos de adolescente.
Eu já não cabia mais no modelo.

Três anos depois eu já era mãe do Diego.
Aquela Andrea gritou.
Vivas.

O caderno foi pro container.

Os álbuns brancos.
Ontem postei a história do que tem Vinícius, Tom Jobim, Toquinho e Miúcha.
Hoje estou falando do da Dianna e do Marvin.
E tem o dos Beatles.

E o do Queen.

Álbuns brancos da minha vida linda.

Acordei com o calor.
Muito calor.
Rotinas e plantas, café da manhã, bons dias, jornal da Clube, notícias de dois homicídios na cidade.
E continua a saga de documentos de candidatos.

Quintal frutando, delícia.
Agenda de trabalhos pra agilizar o projeto quarto.
Estou muito atrapalhada com a minha ansiedade em organizar a logística de tudo.
Inclusive porque dependo de outras pessoas pra desenrolar.

Saí pra visitar a mamãe e, depois, Ferrô.
Nadar pra desanuviar a mente, a melhor opção.

Mamãe, Erik e Pretinha.
Todos bem.

Na Ferrô o km de crawl em 33 minutos, deslizando.

Pensamentos circulares.
O desmonte dos quartos, a pintura, onde colocar os móveis durante o processo, o material da pintura, a cama nova, o vestido do casamento, o décimo terceiro, fome, ahhh, tudo ao mesmo tempo agora.

Fui visitar Gardin e Hilda.
Adorei o vestido azul, queridos Gar e Silvinha.
Gratidão.
Foi rápido e bem gostoso.
Depois fiquei refém no ponto de ônibus.
Morei duas vezes na Villa Aparecida.
E gosto muito desse bairro.
As lembranças são bem boas, do sobrado da Vital Brasil.
Boas e nem tanto são as lembranças da outra casa, onde moramos pós Vilhena.
Por falar nisso, hoje é aniversário do pai dos meninos. Parabéns.

Tenho percebido que alguns miasmas emocionais tem frequentado muito a minha mente.
Talvez por conta da “auditoria” das agendas.
Mas encontrarei fortaleza pra enfrentar.
Tudo já passou, tudo já mudou, e a vida tem sido generosa comigo.
Não preciso ter medo, tenho que tratar esses fatos como irremediáveis, tipo quando temos pesadelos na infância e nossos pais falam: já acabou.

Em casa.

Liguei a tv e, afff…
O eleito transformou a vacina contra o covid num fato político.
“Eu não abro mão da minha autoridade!”, que cara é esse?
Mais de 160 mil mortos e o nego só se atenta a disputa em 2022.
Desautorizou o seu próprio ministro da saúde.
Até seus apoiadores estão chocados com o negacionismo.
Já deu.

Enquanto isso, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai e ex-líder Tupamaro, aos 85 anos, se retira da vida pública com um discurso muito bacana.

“No meu jardim, há décadas não cultivo o ódio. Aprendi uma dura lição que a vida me impôs. O ódio acaba deixando as pessoas estúpidas. Passei por tudo nessa vida, fiquei seis meses atado por um arame, com as mãos nas costas, fiquei dois anos sem ser levado para tomar banho e tive que me banhar com um copo. Já passei por tudo, mas não tenho ódio de ninguém e quero dizer aos jovens que triunfar na vida não é ganhar, mas sim se levantar toda vez que cair.”

Pois é, deu inveja mesmo.
Como seria bom termos pessoas éticas e equilibradas no comando do Brasil.

Filtros nas janelas.

Almocei creme de mandioquinha salsa, com bastante alho e cebola.
Vias aéreas desobstruídas, bem alimentada, vou pra rede me enredar na leitura.

A tarde está nublada e quente.

Para reflexão.
“Individualmente, somos uma gota. Juntos, somos um oceano.”
Ryunosuke Satoro

Resistir sempre.

Seguimos.